Maioria dos moradores de Florianópolis desconhece quem foi Cruz e Sousa e placa de rua com o nome do poeta no Centro de Florianópolis comete equívoco
Um grupo de estudantes do Instituto Estadual de Educação (IEE), Centro de Florianópolis, conversa animadamente num intervalo entre as aulas. Eles estão na 8ª série e, questionados sobre Cruz e Sousa, têm reações diferentes. Um responde brincando, a outra sorri envergonhada e quem leva a questão a sério se limita a dizer que "foi um poeta", sem maiores informações sobre as obras ou outros dados biográficos.
Trata-se de uma realidade: Cruz e Sousa é um ilustre desconhecido para a maioria dos habitantes da cidade em que ele nasceu. Boa parte da culpa cabe às escolas. Na avaliação da escritora Eglê Malheiros, o problema é mais amplo - "a poesia está inteiramente ausente da escola", constata. Para ela, "o centenário da morte de Cruz e Sousa é uma grande oportunidade para começar a transformar essa realidade, com um autor local que abordou temas universais".
Eglê organizou uma seleção paradidática sobre Cruz e Sousa, que deve ser impressa ainda no primeiro semestre com tiragem de 5 mil exemplares. Além de abordar a biografia e a obra do poeta, o livro traz um roteiro de leitura dirigido aos professores. "É uma contribuição à tarefa de chamar a atenção dos jovens para a poesia", avalia a escritora.
No ano do centenário da morte de Cruz e Sousa, esperava-se que o vestibular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) abordasse o assunto com destaque. Mas, ao contrário, o concurso mal tocou no nome de um dos mais importantes poetas brasileiros. Ele foi citado em duas questões da prova de língua portuguesa e literatura brasileira, mas em ambas não passou de um mero "figurante".
Apesar do pouco destaque para Cruz e Sousa, as duas citações na mesma prova já representaram um avanço. Nos dez anos anteriores, o poeta catarinense havia sido lembrado em apenas quatro ocasiões - 1997, 93, 91 e 89. (MO)
Exemplo de indiferença
O maior poeta catarinense é conhecido como "Cruz de Sousa" por quase todos os moradores de uma rua na Agronômica, em Florianópolis. Tal equívoco se origina de uma placa colocada pela Prefeitura há décadas e nunca corrigida. Assim, o que deveria ser uma homenagem virou um exemplo de indiferença à história da cidade.
Moradora da rua Cruz e Sousa desde que nasceu, há 50 anos, Rosemari Cañola se surpreendeu ao saber o nome correto do poeta. "Sempre escrevi e falei como está na placa", explica. Marlene dos Santos, 40 anos, que também nunca morou em outro lugar, se interessou pelo simbolista quando um dos filhos preparava um trabalho escolar. "Foi uma pena ele ter morrido tão novo", diz.
Quando Rosemari e Marlene eram crianças, a rua tinha poucas casas e muitas áreas verdes. "A gente brincava de pegar no meio do mato e não havia malinagem. Todo mundo se conhecia. Hoje circula muita droga por aqui", conta Rosemari.
Bela vista do mar
A rua Cruz e Sousa começa nos fundos do almoxarifado da Secretaria de Saúde, nas proximidades do Shopping Beiramar, e segue em direção ao morro da Cruz. De tão íngreme, a subida também é conhecida como "morro do Céu". Nos primeiros quarteirões, há casas de classe média. Na parte alta, os moradores são mais pobres - em compensação, têm uma bela vista do mar por detrás da avenida Beira-mar Norte.
Rosemari lembra que os moradores se reuniam ao redor de uma grande pedra, que não existe mais, para acompanhar de um ponto-de-vista privilegiado os jogos do Avaí no "pasto de bode". O campo de futebol foi substituído pelo shopping e dezenas de prédios surgiram nas redondezas.
As luzes da cidade encantam Maria Urgentina da Costa, 76 anos, que mora na parte mais alta da rua. Há 50 anos, as noites no local eram uma escuridão só, timidamente combatida com lamparinas a querosene apelidadas de "pombocas". Cozinheira e lavadeira, Maria passou a vida subindo e descendo a rua Cruz e Sousa. Teve dez filhos, dos quais seis estão vivos.
Theodoro dos Santos, 76 anos, nasceu no alto do morro e de lá nunca saiu. Quando ele era criança, a família tinha apenas um vizinho e a rua não seguia até o morro da Cruz, como hoje. Pedreiro aposentado, solteiro, morando sozinho, Theodoro decidiu que não vai mais usar sapatos. "O único lugar em que não me deixaram entrar descalço foi o shopping. Mas, também, o que eu vou fazer lá? Só fui porque disseram que o leite estava barato", conta, resignado. (MO)
Fonte: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/cruzesp04.htm
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